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Cuidado: Frágil

Os bastidores e desafios do delicado caminho percorrido pelo vidro-do manuseio no chão de fábrica à instalação final

11/08/2016

Funcionários da Romano Transportes fazem a descarga segura de chapas de vidro em obra na cidade, equipados com EPIs (Equipamento de Proteção Individual)

Quem observa as peças curvas de vidro que compõem o teto do grandioso anfiteatro da USP (Universidade de São Paulo) não imagina o cuidadoso caminho percorrido por elas para chegarem até ali, graças a um conjunto de processos muito bem alinhados, que envolvem manuseio, estocagem e transporte seguros.

 

No fabricante

 

No final da linha de produção, conhecida como lado frio do processo, o vidro plano é cortado em chapas que serão estocadas em pacotes em dimensões convencionais (chamados traver) ou na dimensão jumbo (3,21m x 6m). Com ajuda de uma ventosa automática, as chapas de dimensões convencionais são então empilhadas a granel, em cavaletes ou paliteiros, ou em colares metálicos (molduras de aço onde as chapas são encaixadas uma ao lado da outra, paralelamente) ou ainda em caixas de madeira, revestidas interna e externamente com isopor.

 

Um colar suporta até duas toneladas vidro e comporta um número de chapas que varia de acordo com a espessura de cada uma. Quando se atinge o limite de chapas por embalagem, o colar é içado e retirado da linha por meio de uma ponte rolante (talha). O pacote então é fechado e levado pelas empilhadeiras para estoque. Já para os pacotes com dimensão jumbo, usa-se a estocagem a granel, ou seja, sem embalagem ou colares.

 

O manuseio do vidro também exige cuidados, mas alguns deles requerem atenções especiais. Segundo Eliseu Silva, coordenador de logística da UBV, os vidros de 3,21m x 2,20m e os de 3,21m x 1,90m são os mais difíceis de movimentar. As caixas também são mais complicadas de  manusear que os colares, acrescenta o coordenador. Para o gerente de Logística da Cebrace, João Fausto Dias, o manuseio de pacotes jumbo demanda maior especialização.

 

Ainda nas usinas de vidro, colares e as caixas são içados até a carroceria dos caminhões com ajuda de pinças, ventosas e balancins, onde são fixados para o transporte até as beneficiadoras. Para esse tipo de transporte, também são utilizados restritores – barras e travessas de metal – que impedem que a carga se mova no caminhão.

 

Do pátio da Conlumi para o cliente. As peças de vidro são temporariamente armazenadas e transportadas em 
cavaletes, antes e depois do processo de beneficiamento  

 

Descarga e manuseio

 

Não há comparação, em termos de economia de tempo e segurança, entre os processos de descarga manual e automatizado. Porém, o primeiro ainda é muito utilizado, dependendo do volume da carga e da preferência do cliente. Na descarga de caixas de madeira, por exemplo, a carga do caminhão é içada por um cabo de aço em forma de anel e levada até a ponte rolante que a transporta até o estoque. Também é comum a utilização de carrinhos com cavaletes não automatizados, o munck do caminhão, além de cintas e pinças para içar a carga. Na baia de descarga da Pacaembu Vidros, os caminhões carregados com containers, por exemplo, são descarregados por meio de guinchos com roldanas, cintas e um carrinho de fabricação própria para trazer a caixa para fora da carroceria.

 

Cuidado com a carga é fundamental. Um piso nivelado e a correta descarga dos colares evitam prejuízos e fazem a diferença. Na Conlumi, o processo mecanizado de descarregamento e manuseio obedece a critérios rígidos de segurança, que incluem avaliar o aspecto geral e a integridade dos vidros, conferir as etiquetas que acompanham todos os colares e anotar as observações na planilha de recebimento de mercadoria, para facilitar a rastreabilidade interna. “Desde a descarga até o armazenamento, o manuseio é supervisionado por um profissional responsável, com equipamentos e EPIs (Equipamento de Proteção Individual) em dia, além de um rigoroso controle preventivo”, relata Claudio Passi, diretor geral da empresa.

 

Na Glassec Viracon, onde 70% dos equipamentos são automatizados, segundo o coordenador de logística Renato Batalha, a empresa implantou normas de conduta que motivam os funcionários a utilizarem todos os EPIs necessários, a movimentar os vidros com o máximo cuidado, evitar impactos e acondicioná-los em equipamentos adequados. O local de estocagem deve ser reservado e arejado, sem umidade e poeira, evitando contato com materiais que possam danificar as superfícies e bordas do vidro.

 

Na indústria beneficiadora, as chapas de vidro a granel são armazenadas temporariamente em cavaletes ou paliteiros, tanto antes como depois de sua manipulação. Dos cavaletes e colares, carregadoras automáticas levam o vidro até as mesas de corte, onde tem início uma ampla linha de processamento do vidro (corte, lapidação, têmpera, entre outros). Para movimentação do vidro jumbo, os equipamentos mais utilizados são pinças e ventosas operadas através de pontes rolantes ou muncks.

 

Após o beneficiamento, as peças vão para a expedição. Marcelo Martins, da Speed Temper, conta que lá o produto final é acondicionado em cavaletes e identificado por regiões e estados. Em hora programada, são enviados à doca, onde são carregados em caminhões para entrega ao cliente ou aguardam para serem retirados. Da processadora, o vidro deve sair em condições excelentes para vidraceiros ou instaladoras. A responsável por Gestão de Projetos da Pacaembu Vidros, Silvia Romano, explica que na beneficiadora os vidros são lavados e inspecionados antes mesmo do processo de têmpera e serigrafia, para evitar que sejam entregues ao cliente com riscos.

 

Os quadros de ventosas movimentam peças ou chapas inteiras de vidro. Com ajuda de motores, o movimento de inércia é retirado, sendo possível mover, sem esforço, uma chapa de 500kg 

 

Transporte com segurança

 

O transporte rodoviário ainda é o mais utilizado para o trajeto do vidro da fábrica para a beneficiadora e desta para os vidraceiros e instaladores. O vidro já processado é geralmente içado por uma pinça, uma ferramenta suspensa por cabos, que exige uma estrutura mecânica e elétrica complexa sobre a área de armazenagem, conhecida como túnel – grandes calhas suspensas, pelas quais a pinça se movimenta, como uma garra, recolhendo uma quantidade de chapas de vidro e içando-as até o caminhão. Também são muito utilizadas as ventosas, que agarram o material por meio de formação de vácuo, e o balancim, uma barra com duas alças metálicas, que é içado e depois desce sobre a pilha de vidros envolvendo suas laterais para, sem seguida, colocá-los dentro dos colares.

 

Os modelos de veículos para o transporte do vidro variam de acordo com a sua capacidade de peso. Para o coordenador de logística da Julio Simões Logística, Harley Amaral Silva, os mais adequados para o transporte de vidro são as carretas grade baixa, como a truck (14t), a bitruck (19t), as carretas de 25t/ 32t e a in loader (25t) – um semirreboque tracionado por cavalo mecânico, com suspensão pneumática e capaz de suportar 24t. Esse modelo dispensa o enlonamento da carga, sendo o mais recomendado para o transporte de cargas jumbo (3,21 x 6m) e baixas (3,6 x 2,21m).

 

Giovane Moreira, da Vidro Jumbo, conta que os acidentes mais comuns são provocados pela falta de atenção ao uso dos EPIs e de revisão da carga (os cavaletes) e da carroceria. Uma consequência grave desta última é o tombamento da carga. Rodrigo Romano, da Romano Transportes, afirma que é fundamental controlar a velocidade, não dirigir cansado e inspecionar a carga a cada 4 horas. A Julio Simões Logística também dá dicas para um transporte tranquilo: cuidado com as frenagens perto de cabeceiras de ponte e curvas acentuadas, conservar os itens de enlonamento e trava da carga no assoalho para ganhar estabilidade, treinar motoristas novatos e reciclar os terceiros envolvidos na operação.

 

Desafio nas alturas

 

É na vidraçaria que começam os grandes desafios do manuseio e transporte do vidro. Isso porque as peças que serão entregues nas obras são de medidas e tipos variados, fora de padronização, o que dificulta seu manuseio, acondicionamento e transporte. Transportar vidros em veículos por grandes distâncias e elevar grandes peças de vidro pesadas para serem encaixilhadas e instaladas nos mais altos arranha-céus. Estes são desafios enfrentados pelos vidraceiros e instaladores, no seu dia-a-dia. Cada caso representa uma dificuldade e requer uma solução diferenciada.

 

Maurício Margaritelli, diretor geral da T2G, empresa especializada em envidraçamentos especiais, conta que não foi fácil manusear e transportar as imensas placas de vidro que deram ao teto do anfiteatro da USP um ar grandioso. O trabalho consistiu em instalar grandes peças curvas de vidro no teto do local, utilizando o sistema de fixação Spider. “Foi uma obra grandiosa, que apresentou diversos desafios”, afirma Margaritelli, citando os principais: a segurança dos colaboradores, a altura e o peso das peças de vidro. Para realizar a obra com segurança, a empresa utilizou-se de ventosas elétricas, para garantir uma boa aderência ao vidro, gruas e talhas, para facilitar o manuseio e a instalação, e profissionais treinados e equipados com EPIs.

 

Manipulador Easy Lift para peças de 250, 350 e 500kg. Movimentação de peças ou chapas inteiras de vidro, de modo rápido e ergonômico

 

 

Normas técnicas

 

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) não tem normas específicas para o transporte de vidros, mas há informações importantes para essa atividade em outras normas. A Associação Brasileira de Distribuidores e Processadores de Vidros Planos (Abravidro) destaca algumas normas que devem ser seguidas: NBR 14696 e NBR 15198 – Espelhos de prata; NBR 14488 – Tampos de vidro para mesa; NBR 14564 – Vidros para sistemas de prateleira e NBR 14698 – Vidro temperado.  Francisco Palacios Marin, diretor da Associação Nacional de Vidraçarias (Anavidro), acha importantes as recomendações contidas nas normas da ABNT, porém de difícil acesso, inclusive pelos vidraceiros. “Em função da diversidade e adversidade das entregas feitas diariamente pelo vidraceiro, acho bem complicado conseguir normatizar esse transporte. Seria necessário, inicialmente, normatizar, talvez, as dimensões de uso do vidro, algo que não combina com os costumes e a arquitetura brasileira”, justifica Marin.

 

 

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